sábado, 22 de setembro de 2007

A loucura na história


A loucura na história
Renata Bomfim-UCAM/ RJ

Vai para dez anos que assisti de perto o trabalho criador de alguns doentes mentais; neles o processo de criar ou pintar se fazia, realmente sem controle consciente ou intelectual. Vi Raphael traçar em segundos, ou em pouquíssimos minutos, alguns dos desenhos mais belos de nosso tempo e estimados por um Breton, como superiores aos de Matisse. E é, ainda agora, com verdadeiro fascínio que o vejo lá na casa de sua velha mãe, numa ladeira de Santa Tereza, sair do brinquedo em que se misturavam as crianças da redondeza e concentrar-se, em relâmpago de tempo, em si mesmo, ou sorrindo, misterioso e alegre, não sei para quem, num jogo maravilhosos e autêntico, no curso do qual passava por vezes, pelas costas, o lápis ou picel de uma mão para a outra, e com o mesmo movimento deixava o outro braço, agora armado, correr livremente pelo pincel, conclusão de um gesto que vinha de longe, nesse momento sim, tudo era jogo, expressão, autenticidade. (PEDROSA, Mário. Percepção e Estética: textos escolhidos II. São Paulo: editora da USP, 1996. p.327.

Antes de ser definida como patologia, a loucura experimentou outras formas de relação com a cultura. A história reflete como os homens ao longo do tempo lidaram com o inivitável, com o seu medo de perder a 'razão', com o diferente e com as diferenças. Em cada época da história a sociedade introjetou e lidou com a loucura de uma forma. Valmir Adalmor da Silva no livro História da loucura, nos diz que na Grécia antiga a loucura tinha um lugar de "saber divino", ou seja, os loucos eram vistos como mensageiros dos deuses, oráculos que aproximavam os homens das ordens do Olimpo. Além dos filósofos, os seguidores de Esculápio, deus grego da cura, também chamado de Asclépio, se dedicavam aos estudos dos segredos das enfermidades mentais. Neste contexto, a loucura encontrou um lugar social possivel, não era preciso baní-la ou controlá-la, visto que era necessária como instrumento de decodificação da vontade divina.
As crendices e superstições, a morte e a peste que marcaram a idade média, assim como o medo do apocalípse, fez com que, para o cristão devoto, a saúde e a salvação estivessem alegóricamente ligadas. A medicina cuidava do corpo que perecia e a religião da alma imortal. Qualquer que apresentasse sintoma de alienação mental era condenado a fogueira, não havia escapatória, nem apelar para a 'santa inquisição', para qualquer atitude suspeita, a terapêutica era a fogueira. Os loucos eram novamentes seres "possuídos", mas agora não mais pelos deuses, mas pelo demônio, e ai de quem se interessasse por suas pertubações. Foi um período de silêncio de aproximadamente de 400 anos em matéria de estudos no campo dos transtornos mentais, os poucos que o faziam era às escondidas.
A renascença foi marcada por um tipo de sinistro: o insano. Com o antropocentrismo a loucura passa a expressar as forças da natureza, o inumano, por meio da fala dos loucos o homem renascentista ouve as verdades do mundo e entra em contato com o transcendente. Lembrem-se que tal época traz um revival dos ideais gregos. É o terror e a atração que emanam do sinistro, a loucura é exaltada e não precisa mais ser dominada, podemos perceber este tema expresso nas obras de Bosch, Shakespeare, Cervantes, entre outros.
Mas a relação com a loucura segue se modificando e, num segundo momento do renascimento humanista a loucura deixa de expressar as forças da natureza para confugurar-se o reverso da razão e ganhar caráter moral. Dessa forma a mesma passa a ser vista como um conjunto de vícios: avareza, preguiça, indolência, etc. De substantivo transcendente a loucura passa a ser adjetivo desqualificador.
Meados do século XVII, o crivo moral se intensifica, a loucura torna-se o mundo da exclusão. A burguesia dita as ordens do que é desvio. A relação do homem com o trabalho sofrem mudanças, o artesão passa a perder poder sobre sua produção e seu tempo, acabam tendo que se submeter nas fábricas, esse novo "controle social" gera novos modos de pensar, a autodisciplina torna-se o discurso moralisante do tempo útil e àquele que não consegue tomar lugar na produção, circulação ou acúmulo de riquezas tornam-se os desviantes. Para este criam-se em toda Europa, estabelecimentos de internação que receberão não apenas os loucos, mas os inválidos, pobres, mendigos, portadores de doenças venéreas, libertinos, eclesiásticos em infração, entre outros considerados escória social. Tais espaços não eram concebidos como lugares de tratamento, mas como depósitos humanos, e o trabalho forçado era a maior das punições para o maior pecado, a ociosidade. Essa política de "limpeza" da sociedade por meio da exclusão perdurou por aproximadamente um século.
Meados do século XVIII, presa ao mundo correcional, a loucura agora está intimamente associada a crimes e pecados. A inquietude reaparece, na França as palavras de ordem são liberdade, igualdade e fraternidade, surgem novos questionamentos, o movimento francês repercute e faz-se ouvir dentro dos internatos, que passam a ser vistos como símbolos da opressão e sinal da existência de uma clásse de miseráveis. Uma nova política entra em vigor, e uma forma de administrar tais "necessitados" ressurge por meio do socorro médico e financeiro, que incentiva o retorno destes aos lares. A excessão é para com o louco que permanece internado, pois pode ser perigoso e violento, são os herdeiros da exclusão. Final do século XVIII o internato assume caráter médico e a loucura passa a ser vista como doença.
A loucura ascende ao status de "doença psicológica" apenas no século XIX. É a alma que sofre, a mente precisa ser tratada, o louco passa a ser encarado como um ser humano em conflito com sua própria desordem. A corrente alienista, tendo como expoente Pinel, na França, e Tuke, na Inglaterra, retomam práticas médicas do século XVII, acrescentando-lhes um novo caráter, trata-se de conhece-la para dominá-la. O médicos são os "possuidores da razão", podendo legislar sobre os sujeitos despossuidos da mesma, surge a psiquiatria com uma função ambígua de tratar o louco e defender a sociedade do mesmo. Ao louco é suprimido o valor de sua fala.
No Brasil instalam-se os primeiros hospitais psiquiátricos, que propositalmente são construídos longe das cidades, na Europasurgemmovimentos de contestação a estas estruturas institucionais.
O século XX inicia-se tendo como marca as condições desumanas a que os sujeitos sob custódia e tratamento psiquiátrico eram mantidos, foram necessários maos algumas décadas para que a crítica ao asilo não tivesse apenas como carater a desumanidade, mas também a ineficiencia terapêutica. Entre os anos de 1950-60, pós-guerra, as discussçoes se intensificam e surge o movimento antipsiquiátrico, buscando romper com a sinomínia cuidado/exclusão. Países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, surgem as primeiras comunidades terapêuticas, na França, o questionamento aos asilos faz surgir a psiquiatria setorizada e a análise institucional, que tinham como foco propor novas relações de acolhimento e reconhecimento da loucura e de seu discurso.
Na Itália, Franco Baságlia criticará a lógica da exclusão, apontando que o enlouquecimento é um produto social e propondo a abertura dos hospitais psiquiátricos. No Brasil, Dra Nise da Silveira ( década de 40) inicia no Hospital Psiquiátrico Pedro II um movimento de resistencia aos tratamentos vigentes, propondo a inserção da Arte como tratamento terapêutico, assim como abrindo o campo restrito da saúde mental a profissionais de outros campos de saber, com o intuito de inclusão social. Segundo Cooper: " Jovens sensiveis, frequentemente universitários, se permitiam à aproximação à experiência dos pacientes desintegrados". Com o advento da ditadura, as comunidades terapêuticas chegam ao fim.
Os ventos que soprava ares de democracia ( 1970-80) balançam as estruturas dos atendimentos de saúde mental. Em 1979 um grupo multidisciplinar de profissionais cria em São paulo o Hospital Dia " A Casa". No Espírito Santo não há como falar em reforma psiquiatrica e saúde mental sem citar o Programa de Extensão da Universidade Federal do ES "Cada Doido Com Sua Mania" que inicou sua trajetória no Hospital Adauto Botelho em 1984 e sendo responsável pela implantação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial no ES entre outras conquistas importantes neste que continuam até hoje com a idealização e implantação do CACIA- centro de Atenção Continuada a criança, adolescente e adulto, que atua no campus universitário da UFES.

Site do CDSM: (http://www.cdsm.ufes.br/)

Imagem de aberturade Carla Muaze- acervo do Museu de Imagens do Inconsciente: (http://www.ccs.saude.gov.br/Cinquentenario/carla.html)

Este texto é o capítulo I da minha monografia da Pós em Psicossomática, cujo tema é "A construção de uma nova clínica em saúde mental".
Dei uma resumida pois tive que digitar.

Indicação de livros de Arteterapia

Caros amigos, ajudo na divulgar dos Livros da Cristina, são livros que recomendo, ferramentas indispensáveis tanto para pessoas interessadas em ingressar na área, quanto para àquelas que já estão com a "mão na massa", em plena prática. A Leitura é gostosa, clara e não nos esqueçamos de um detalhe importante, é norteada pela psicologia junguiana.
Abraços
renata
Arteterapia: A Transformação Pessoal Pelas Imagens
O trabalho do arteterapeuta é de estimular o sujeito a criar até a finalização de sua obra. Seu bom preparo se faz necessário para acompanhar a execução desse trabalho, observando suas atividades, reações e expressões. Preocupada com os rumos da atuação do arteterapeuta, Maria Cristina Urrutigaray nos presenteia com Arteterapia - A Transformação pessoal pelas imagens, um livro que une teoria e prática de forma questionadora e instigadora. Antes de trabalhar as técnicas, o arteterapeuta tem de conhece-las, para não aplicar como se estivesse seguindo um manual. Daí a importância deste livro, que reflete o alcance da técnica desejada, decodificando o significado dos materiais utilizados e mostrando a possibilidade de sua expressão. Os educadores têm a missão de ajudar seus alunos a definir seus pensamentos limitadores, a reconhecer e comunicar seus medos, seus verdadeiros sentimentos e desejos. Afinal o educador é também um agente atuante na formação de uma personalidade. A arteterapia aplicada como princípio técnico no desenvolvimento de cada disciplina, como método auxiliar aos temas geradores, pode proporcionar a criação de ambientes propícios a aprendizagem.
O livro de Maria Cristina Urrutigaray, Arteterapia: A Transformação pessoal pelas imagens, é um dos mais completos que tenho lido sobre o assunto. Ele expressa uma necessidade de nosso tempo?
Dr. Walter Boechat
INTERPRETANDO IMAGENS - TRANSFORMANDO EMOÇÕES
A arteterapia é um processo efetuado por meio de técnicas expressivas, como as utilizadas com instrumentos plásticos, desenho-pintura-argila, caixa de areia etc. E tem como objetivo, na prática da psicoterapia, facilitar e habilitar a comunicação das experiências inconscientes do cliente em situação analítica. Assim sendo, a introdução da arteterapia na relação analítica flexibiliza a entrada do cliente em situação de análise, já que ela favorece as projeções das experiências de vida, das suas necessidades e possibilidades virtuais. As configurações produzidas realizam a conexão entre o mundo interno e externo do cliente, por meio de imagens ou pontes simbólicas. E, deste modo, disponibiliza e mobiliza os recursos internos para criações de novas identidades. O símbolo é a expressão do inconsciente, o qual só consegue revelar-se por meio de linguagens em imagens, como fantasias, ideais, sonhos e atividades espontâneas. Este livro disponibiliza entender os processos de transferência e contratransferência habituais às situações analíticas, mas também muito comum e presente nas relações pessoais cotidianas. Sendo uma interessante leitura para todas pessoas voltadas para a área da educação e da saúde.A importância deste trabalho está na ênfase dada às questões das imagens valorativas e afetivas que emergem no Encontro Analítico e representam os padrões arquetípicos da humanidade.Neste livro, você perceberá que, na medida em que as emoções nas imagens são reveladas e integradas, a pessoa se reestrutura e altera os seus modos de agir.Obra fundamental para quem utiliza a arteterapia como prática clínica.


Autora:

Maria Cristina Urrutigaray é Psicóloga formada pela UFRJ, Pós- Graduada em Psicologia Junguiana, pelo IBMR/IJRJ; Pós-Graduada em Psicopedagogia pela Universidade de Havana, Cuba, Mestre em Psicopedagogia pela Universidade de Havana, Cuba. Arteterapeuta, membro da associação Brasileira de Arteterapia. Professora da Universidade Candido Mendes, RJ; da Universidade Estácio de Sá, nas graduações de Psicologia e Pedagogia.

A Construção de uma Nova Clínica em Saúde Mental

A Construção de uma Nova Clínica em Saúde Mental: O Programa de Extensão da UFES Cada Doido Com Sua Mania, o CACIA e a inserção da Arteterapia nestes serviços.

Renata O. Bomfim[1]

Resumo: O dualismo cartesiano dividiu mente e corpo colocando-os como unidades que funcionam separadamente. Esta dicotomia marcou a sociedade refletindo-se em vários campos do saber humano. Mas mudanças podem ser sentidas e os indivíduos novamente buscam reconhecer-se BIOPSICOSSOCIAIS, ou seja, seres que inter-relacionam suas partes psíquica, física, social e espiritual. As instituições de saúde mental durante muito tempo reproduziram o paradigma da exclusão, promovendo a doença e perpetuando estigmas e preconceitos. Hoje, caminhamos para uma nova forma de assistência e tratamento, e as instituições podem lançar mão de variados recursos que possibilitem que fenômenos tão humanos como a angústia, a loucura e as doenças psicossomáticas, possam tornar-se não somente um transtorno, mas um dizer mais estruturado e direcionado ao tratamento e a reinserção social. Este artigo versa sobre as a trajetória do Programa de Extensão Cada Doido Com Sua Mania da Universidade Federal do Espírito Santo, e sua busca na construção de uma clinica pública gratuita de qualidade, culminando com a estruturação do CACIA - Centro de Atenção Continuada a Infância adolescentes e adultos e sobre a inserção da Arteterapia neste serviço.
Descritores: Saúde mental, Arteterapia, equipe inter e muiltidisciplinar, extensão universitária.

The Construction of a New Clinic for Mental Health: An Extension Program at UFES (Federal University of Espírito Santo) named “Each Crazy One with its Madness”, the CACIA-Center (Continuous Attention Center for Childhood, Youth and Adulthood) and the inclusion of Art Therapy as a resource for both.

Abstract: The Cartesian dualism split man in two halves: mind and body - two separate units, each one with its own particular function and hole. Such dichotomy influenced the various professionals, while working in the different fields of human knowledge. However, as time passed by, men started to integrate the bio-psycho-social-spiritual aspects of their lives. For a long time the Mental Health Institutions had treated their patients based on the premise of “exclusion”, they produced the old paradigm that promoted the concept of “disease”, and the progress of stigmas and prejudice. Nowadays, many have based their clinical practice seeking for new alternatives in treating and assisting their patients.It can be noticed that many of this kind of institution utilize several resources when dealing with anguish, madness and psychosomatic symptoms, so that patient can re-structure their lives, not being a nuisance, but becoming a real citizen in the society.This article shows the trajectory of an extension program - “Each Crazy One with its Madness” - and the creation of CACIA (Continuous Attention Center for Childhood, Youth and Adulthood) carried on the University of Espírito Santo. Its main goal is to offer free and qualified clinical service to the general public and gives a special attention to ART THERAPY as a strong and useful source as part of the treatment for those seeking help there.
Key-words: Mental Health, Art Therapy, Inter- and Multidisciplinary Professional Teamwork, University Extension Program.

Resumen: La mente y el cuerpo divididos dualism cartesiano que los colocan como unidades que funcionan por separado. Esta dicotomía marcó a sociedad que se reflejaba en algunos campos de saber el humano. Pero los cambios pueden ser sentidos y los individuos buscan otra vez para reconocer BIOPSICOSSOCIAIS, o cualquier, los seres que correlacionan sus piezas psíquicas, físicas, sociales y espirituales. Las instituciones de la salud mental durante mucha hora habían reproducido el paradigma de la exclusión, promoviendo la enfermedad y perpetuando los estigmas y las preconcepciones. Hoy, caminamos para una nueva forma de ayuda y de tratamiento, y las instituciones pueden lanzar la mano de los recursos variados que hacen posibles que los fenómenos tan humanos como la angustia psicosomática, locura y enfermedades, no pueden convertirse en solamente una agitación, pero una para decir más structuralized y dirigió al tratamiento y al reinserção social. Este artículo gira una trayectoria del programa de la extensión cada uno la loca con su manía de la universidad federal del Espirito Santo, y su búsqueda en la construcción de un clinica público gratuito de la calidad, culminando con el estruturação del CACIA - el centro del adolescente y del adulto continuó infancia de la atención y en la inserción del Arteterapia en este servicio.
Describers: Salud mental, Arteterapia, inter equipo y muiltidisciplinar, extensión de la universidad.


Programa Cada Doido Com Sua Mania - Ideologia e trajetória
Este Programa teve seu inicio em 1984, como projeto de extensão que atendia os pacientes do Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho, por meio de grupos operativos e oficinas de artes. Criado pela Professora Tânia Mara Alves Prates, do departamento de Psicologia da UFES e alunos do curso de psicologia movidos pelo desejo de construir uma nova clínica em saúde mental. O CDSM, desde sua criação, trabalha por uma clínica cujas práticas interdisciplinares gerem uma cultura profissional mais humanizada e adequada ao contexto da saúde pública articulada à formação profissional em diferentes níveis, a saber, ensino, extensão e pesquisa.O instrumento fundamental da prática desta ideologia é o aperfeiçoamento contínuo do trabalho em equipes interdisciplinares, com repercussões na formação de profissionais de várias áreas, a partir dos seus efeitos multiplicadores. Em consonância com esta proposta agregaram –se ao projeto, profissionais e estudantes de variados campos do saber e pessoas da comunidade. O impacto deste trabalho sobre pacientes e equipe do Hospital psiquiátrico Adauto Botelho foi grande, e em 1996 o Programa CDSM foi convidado para estruturar o primeiro Centro de Atenção Psicossocial do ES, o CAPS Ilha de Santa Maria, em parceria com a prefeitura Municipal de Vitória. Agora, agora, em instituição aberta, as oficinas terapêuticas e os serviços multiplicam-se.A experiência adquirida pelo CDSM possibilitou a criação do Primeiro Ambulatório em Saúde Mental para Crianças e Adolescentes no Hospital Universitário Cassiano Antônio Morais- HUCAM, em 2002 e 2003, em parceria com a equipe de saúde mental do hospital, da Secretaria Estadual de Saúde (SESA) e do Programa de Saúde da Família (PSF). Em 2004 surge um novo desafio, estruturar um serviço de saúde mental no campus universitário, que atendesse a demanda universitária, alunos, funcionários e filhos de funcionários, assim como, contemplando a parceria estabelecida com a Secretaria Estadual de Saúde, atendesse crianças e adolescentes encaminhados pelo Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória. Assim nasceu o CACIA - Centro de Atenção Continuada a Criança, Adolescente e Adulto.


O CACIA
Este serviço é sustentado pelo Programa CDSM, nele são recebidos pacientes com sofrimento na esfera afetiva, transtornos mentais graves e fenômenos psicossomáticos. Este espaço público gratuito visa à promoção da Saúde Mental, a valorização do servidor da UFES e a transformação dos alunos e profissionais trabalhando a Inclusão social e familiar, por meio de tratamento interdisciplinar.Num recorte de vinte e um anos de trabalho na clínica da psicose o CDSM abre-se aos desafios da clínica da neurose. Tal compromisso implica na responsabilidade em reafirmar o trabalho em Rede de Saúde, proposto pelo SUS, envolvendo a pesquisa e a produção de novos saberes. Esta forma de funcionamento, mais horizontalizado e comprometido com uma ética comum a todos os seus membros, tem favorecido uma maior implicação de todos; fundamental para a ‘trans-formação’ de cada um envolvido, para que não recuem diante da neurose, da psicose e dos fenômenos psicossomáticos.
O CACIA tem como sustentáculo das suas ações uma rotina que consistem em:

- Reuniões semanais da equipe geral;
- Supervisão das ações em oficinas terapêuticas e atendimentos em serviços, com avaliação dos procedimentos e resultados.
- Reuniões quinzenais de projeto terapêutico;
- Reuniões mensais dos serviços e oficinas do CACIA;
- Análise institucional do Programa;
- Reuniões eventuais com as parcerias.

Avaliação:
- Avaliação, em supervisão, dos procedimentos em oficina terapêutica;
- Avaliação, em supervisão, dos atendimentos realizados pelos serviços;
- Discussão clínica dos casos nas reuniões do projeto terapêutico;
- Produção de relatório anual;
- Serviços:Serviço de Atendimento Grupal;
- Serviço de Atendimento Individual;
- Serviço de Atendimento Familiar;
- Serviço de atendimento Psicofarmacológico;
- Serviço de acolhimento;
- Projeto Terapêutico e

Oficinas Terapêuticas:
- Oficina Terapêutica de Arteterapia;
- Oficina Terapêutica de Expressão Corporal;
- Oficina Terapêutica de Comunicação Social;
- Oficina Terapêutica Construindo a Cidadania;
- Oficina Terapêutica de Contos;
- Oficina Terapêutica de Eventos;
- Oficina Terapêutica de Imaginação;
- Oficina Terapêutica de modelagem;
- Oficina Terapêutica de Música;
- Oficina Terapêutica de Pintura;
- Oficina Terapêutica de Psicodrama;
- Oficina Terapêutica de Métodos e Técnicas de Utilização - Sucata + Mosaico.

Grupos de estudo:
- O eu e o sujeito na psicanálise;
- Caso Dominique - A clínica com adolescentes;
- Psicodrama;A arte e a loucura;
- Arteterapia - Grupo de estudo teórico vivnecial;
- Nise da Silveira - Estudo das Obras de Dra Nise da Silveira e de Carl Gustav Jung;
- A história da loucura;A psicose em Freud e Lacan.

O CDSM busca Promover programas que visem à prática em Saúde Mental, de acordo com a demanda da população; diagnosticar situações que venham a interferir no bem estar em nível individual, familiar e institucional com a finalidade de tratamento; buscar o desenvolvimento e aprimoramento de formas adequadas de tratamento em Instituições Públicas; promover a formação adequada de novos profissionais de saúde.A construção de uma rede de atendimentos, integrada e multidisciplinar, objetiva alcançar alguns resultados, como por exemplo, uma maior adesão dos pacientes ao tratamento; prevenção de conseqüências maiores das doenças psíquicas; diminuição de riscos sociais e de suicídios em jovens; melhoria das relações familiares na população em atendimento; participação da rede pública de assistência à saúde mental;

A Inserção da Arteterapia no programa no Programa CDSM
A experiência aqui retratada iniciou-se em 1999, pelo ingresso desta autora no Programa de Extensão Cada Doido Com Sua Mania. Nesta época, o Programa atuava no CAPS – Ilha de Santa Maria. Em 2002, como profissional especialista em arteterapia, passou a ministrar vivencias de arteterapia nos encontros do grupo de estudos Dra Nise da Silveira, eram intercalados os estudos das obras da Dra Nise e as vivências de arteterapia, logo a arteterapia tornou-se um grupo de estudos e esta prática culminou na inserção desta nova modalidade ao programa CDSM sob forma de oficina terapêutica para os pacientes.A Oficina Terapêutica de Arteterapia constitui-se num espaço singular de produção espontânea, onde variados materiais e técnicas da arte servem como facilitadoras de uma expressão subjetiva. Assim, Contos, mosaico, pintura, desenho, modelagem, música, entre outras modalidades expressivas atuam como veículos para que imagens possam ser produzidas e conteúdos inconscientes plasmados a partir da matéria. Esta prática lúdica - terapêutica explora a espontaneidade e a criatividade do indivíduo e viabiliza sua expressão pessoal, auxiliando-o na elaboração e estruturação psíquica.A oficina soma entre suas atividades: supervisão e encontros que objetivam integrar a equipe e construir um espaço de troca de experiências. Ao chegarem à oficina os participantes conhecem a proposta de funcionamento da mesma, e são convidados a participar de forma efetiva por meio de opiniões e sugestões. Esta forma de condução faz com que a adesão ao tratamento e a implicação dos pacientes seja positiva, repercutindo na motivação da equipe.

Conclusão:
Trabalhar com saúde mental é um desafio. A busca para se construir uma clínica integrada, onde o indivíduo seja contemplado em sua humanidade, e não visto como um corpo vazio ou uma mente alienada são árduos.
Não existe manual, este trabalho deve ser realizado levando-se em conta as especificidades culturais e as demandas pelo atendimento.Neste campo faz-se necessário que os profissionais se coloquem num questionamento constante de sua técnica, esta postura ética promove mudanças na sua prática sem que seja necessário abandonar sua especificidade, isso possibilita que o conhecimento não se esgote na sua própria identidade, mas vá além de si mesmo, a fim de estabelecer uma articulação mais ampla transcendendo as barreiras de seu domínio epistêmico.
Ser capaz de abandonar o conforto e a segurança que traz um saber supostamente conseguido e se aventurar a escutar outros discursos vai de encontro com o a idéia desta nova clínica que desejamos. No campo da interdisciplinariedade o que está em questão é um novo saber, gerado pelo trabalho conjunto das diversas especificidades em cada intervenção. Assim, torna-se possível uma ética comum constituindo um olhar transdisciplinar do saber.A coragem é fundamental neste momento de transição em que vivemos, para rompermos padrões que nos forma impostos, bem como persistência.
Aos profissionais de saúde mental resta também o desafio de lidar com seus maus estares e limitações e sua saúde mental. Em “A Prática da psicoterapia” (1986), Carl Jung afirma que “ninguém pode levar ninguém além do lugar onde consegui chegar”.No CACIA, a cada dia, a demanda formada por funcionários e estudantes da UFES cresce propondo novos desafios éticos e clínicos, percebeu-se um corpo administrativo adoecido, refletindo o alto índice de casos de depressão, transtornos alimentares e psicossomáticos que nos chegam, que levam ao afastamento do trabalho, conflito entre equipe, falta de estímulo e motivação para a vida.
O hospital Infantil Nossa Senhora da Glória tem encaminhado crianças com quadros clínicos variados, é surpreendente o alto índice de tentativa de suicídio e depressão, o que vem reforçar nossa crença na necessidade de unir forças em busca de intervenções mais assertivas e abrangentes extensivas às famílias.A prática adquirida nestes vinte e um anos de trabalho assim como no CACIA, tem mostrado a equipe do CDSM à necessidade de se reinventar a cada dia, aí, ferramentas para se trabalhar criatividade são essenciais.
Podemos perceber como a Arte contribui para uma clínica mais criativa, fundamentada num olhar menos comprometido com a patologia e mais implicado com o humano. As Oficinas Terapêuticas, ferramentas privilegiadas de intervenção e tratamento terapêutico, estão ao alcance de todos, prova disso é a diversidade de oficinas oferecidas pelo CDSM, que junto a outros serviços permitem uma cobertura ampla, não somente do paciente, mas também de sua família.Trabalhando no campo da saúde mental desde 1999, experimentei momentos de extrema alegria, o contato com os pacientes é um privilégio, as oficinas apresentam-se originais e, especialmente, inusitadas. A interação com a equipe enriquece e renova as forças, muitas vezes tão desgastadas pela falta de recursos, a falta de apoio e pela burocracia. Hoje, num movimento de luta contra a correnteza, continua-se remando, não digo incansavelmente, pois muitas vezes nos sentimos cansada, e isso é do campo do humano. Mas esta causa não é uma causa vã e nem insana. Cremos na continuidade deste trabalho e na busca pela construção dessa clinica que desejamos.

REFERÊNCIAS:
BOMFIM, Renata; BRIGNOL, Ana Ofélia. Rosa Rubra Espaço Terapêutico. Disponível em: http://www.rosarubra.com.br/
JUNG, C. G. O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964.OSTROWER, F. Criatividade e Processos de Criação. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
PHILIPPINI, A. Cartografias da Coragem- Rotas em Arteterapia. Rio de Janeiro: Pomar, 2000.
SILVEIRA, N. O Mundo das Imagens. São Paulo: Ática: 1992.a) ___________ Imagens do Inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.
URRUTIGARAY, M. C. Arteterapia A transformação Pessoal pelas Imagens. 2ºed. Rio de Janeiro: WAK editores, 2004.

[1] Renata O. Bomfim – Bacharel em Artes Plásticas pela UFES. Especialista em Arteterapia na Educação e Saúde - UCAM/ RJ. Especialista em Psicossomática – FACIS - IBEHE/ SP. Mestranda em Estudos Literários (UFES). Membro da Coordenação Geral do Programa de Extensão CDSM - UFES e Coordenadora da Oficina de Arteterapia e do Grupos de Estudo Arteterapia desde 2002. Membro do Grupo Experimental de Contadores de História da UFES – GECHUFES e do Grupo “Tecelãs da Palavra” – Contos e Poesias. Cursos e Atendimentos terapêuticos no Rosa Rubra Espaço Terapêutico (www.rosarubra.com.br).

Artigo publicado na Revista Científica de Arteterapia As Cores Da Vida